08/11/07

A Papoila (uma seca)


"Ana Rita exercera sobretudo as funções de namorada de Miguel Maria, e depois de noiva de Miguel Maria, e depois de mãe dos três filhos de Miguel Maria e de anfitriã dos jantares de Miguel Maria. Nunca tivera grande coisa que fosse mesmo sua; preparava-se agora para exercer as funções de avó dos netos de Miguel Maria (...)"
Clara Pinto Correia

(obrigada, prima)


Torrei duas horas a ler o Expresso ( ok, era a revista) e esqueci-me do café. Cada vez que o tentei beber, já era uma crosta repugnante, e perdi nestes 300 km que me separam de casa, a força de carácter que me fazia pedir o 3º , sem ter provado os dois que secaram na mesa.

Ao meu lado, há uma mesa com 3 lugares comuns, 3 viúvas, com ou sem falecidos - sei lá - 3 Comadres de Windsor. Entre laca e porte, espremem os defeitos das noras e as virtudes das filhas. Os cafés delas não secaram a tempo e foram engolidos sem dó nem piedade, gemem os restos mortais na ponte estética.

Todas têm o mesmo penteado, caracóis desenhados à força, com riscas de várias cores, armados a partir da testa, a morrer na nuca, em corte rente e ameaçador. Colecções de experiências únicas: 1º amor com o 1º que as quis, 1º filho no 1º ano de casamento. Ainda falam do 1º vestido, do 1º baile, do 1º beijo. Só se esqueceram porque batia o coração.


A D. Odete está muito revoltada: Ele é o custo de vida, é a ingrata da da nora, é a irreverência do padre... tudo embrulhadinho num discurso apaixonado, de quem não está para aceitar as coisas que a fazem sentir-se viva. Usa um padrão vestido que não consigo perceber, e pela bainha, promete uma combinação de renda cor de chá, a grande maluca, sim senhor! É já a minha preferida!


A D. Luísa concorda, também tem as mesmas queixas e vai pondo achas na fogueira, de leve, não vá espevitar o lume, deixai-o dormir descansado.

A Terceira mantêm-se calada, como a ilha, entre "ah, coitadinho!", e " ai, pobrezinho!". Tudo é pequenino e digno de piedade para ela. Não sei o nome, ninguém a chamou. Embrulha as duas mãos, e junta os joelhos firmemente, como quem se prende para não correr.

Tem os nós dos dedos brancos de pressão e as faces da mesma cor, por baixo do rubor do blush rubi ou capilares. Tem à frente um livrinho com uma cruz, e sementes de medalhinhas penduradas no fio de ouro e nas pulseiras. Deve precisar de andar bem protegida, e os santos estão fartinhos de a ouvir!

Acho que esta bebe às escondidas.


Vamos viajar no tempo e no espaço, aqueles 300 km, e vamos à Sacolinha, Bairro do Rosário (vamos, prima? traz tu, o Independente!)

Imaginemos três velhotas com 50 anos de urbanização nas rugas, já recauchutadas com qualquer químico, carregadinhas de pedigree Visa. Discutem qual o melhor paraíso pras falecidas rugas....quem faz o melhor preço "ó kida, nem imagina o que o Albertoni faz por si, não é que precise claro, mas dava-lhe um jeitaço ás manchas do sol, não é? Sabe lá... E o que pensam dos homens que não as estimaram:
Um homem é como um bom soalho flutuante -Se for bem montado, pode ser pisado durante mais de 30 anos (obrigada, Lu)

Tenho medo de vir a ser assim.

Apetece-me deixar crescer cabelo e unhas, e limpar o bâton. Descalçar-me e correr rua abaixo, gritar ás ovelhas e ás velhas - que iriam sorrir de vontade de também sentir o chão.

Aposto que chegaria longe, bem longe...
Bem... uns 2 km, porque também me conheço bem, e as minhas loucuras suicidam-se breves, no encontro com o meu olhar critico.